E porque não em Portugal?

Na minha visita diária aos blogues dos amigos não pude ficar indiferente ao texto escrito pelo David no pulmão.

Quem passa pelo montanhacima pode perguntar porque é que um amante da natureza e das actividades ao ar livre só escreve sobre montanhas fora de Portugal.

Não é por pretensiosismo nem mania típica de achar que a galinha da vizinha é melhor que a minha, não. Já cá estive, provei, gostei mas rapidamente fartei, e explico porquê:

Ainda só existia uma loja em Lisboa com material de montanha e escalada, a Pé ante Pé na Rua do forno do Tijolo e já eu conhecia os nomes e as marcas dos materiais. Coleccionava catálogos (os poucos que conseguia ter) que tinham os cantos revirados e a folhas gastas de tanto os folhear.

Foi quando conheci um amigo, o Filipe Mendes, actualmente professor de física no IST que comecei a fazer os primeiros passeios em Portugal.

Tudo era pensado ao pormenor. O dinheiro era pouco, o material caro e raro. As cartas militares eram compradas através de conhecidos no exército e eram cortadas em 8 folhas de cerca de 20x20 cm, coladas com adesivo para se poderem dobrar num tamanho confortável para a leitura. As botas eram compradas na loja das borrachas na baixa e os impermeáveis nas casas de material para pescadores e trabalhadores das obras.

Começámos pela travessia da serra de Sintra até ao cabo da roca. Em dois dias, com dormida junto ao mar.

E por aí começou passando pela Serra do Caramulo em 4 dias; Travessia Açor-Estrela em 4 dias; Serra dos Candeeiros (pelo menos 4 vezes); Serra da Estrela (umas tantas vezes); Serra do Alvão; Travessia Marão-Alvão; Ribeira de Murtega na zona de Barrancos/Nodar (pelo menos duas vezes); Serra de Aire; Cabo da Roca

Os únicos mapas que existiam eram as cartas militares, algumas com data de 1954.

E por aqui começaram as dificuldades. Mesmo aqui ao lado, na vizinha Espanha, existiam e existem mapas específicos para passeios pedestres. Existem passeios pedestres e parques naturais onde não entram carros mas as pessoas são bem vindas.

Eles até placas com indicações (tipo lagoa – 30 min ou Refúgio – 2h30min) espetam no meio dos montes, aqueles bárbaros.

Quem quer visitar os Pirinéus é obrigado a deixar o carro a 15 km de distância, num parque de estacionamento onde normalmente está um senhor fardado, simpático e um autocarro à espera dos visitantes.

Bárbaros. Eu que poderia ir de carro até lá acima sou obrigado a pagar a estes gajos para me levarem?

Existem WC’s, um café com esplanada, um mapa gratuito que nos é entregue com o bilhete do autocarro, um saco de plástico para trazermos o nosso lixo para baixo, marmotas, cabras, águias, árvores, rios, lagos e refúgios onde só se chega a pé, com mesas de madeira e gente queimada pelo sol de cabelo despenteado e de botas de montanha como nos bonecos da Heidi.

Acampa-se para pernoitar e come-se ao ar livre junto ao riacho como nos filmes de cowboys.

Aqui vai-se de carro às compras ao ponto mais alto de Portugal Continental, vai-se de mota para o Covão da Ametade e fazem-se churrascos em mausoléus de mármore em perfeita consonância arquitectónica com a mediocridade de quem decide.

Mija-se para o rio porque os balneários deviam ser pocilgas onde até os porcos desistiram de viver e não se bebe no café porque está fechado e nem tem energia eléctrica (não há energia solar na Serra da Estrela). Não há mapas porque quem os poderia fazer não conhece a Serra. Nunca lá foi e mesmo que quisesse não podia porque, infelizmente os jipes não podem ir a todo lado.

Eu fui, conheci cá dentro mas também fui lá fora. Já andei os Alpes franceses, nos pirenéus, no Picos da Europa, nas montanhas Tatra na Polónia e nos Alpes julianos na Eslovénia e gostei bem mais.

Por isso continuo a ir, lá para fora até que se lembrem que assim não dá.

Mas tenho pena, principalmente de quem não pode fazer como eu e procurar estas coisas lá fora, e não é sem dor na alma que o escrevo porque, eu posso dizê-lo, já por cá andei e vale a pena, desde que a alma não seja pequena.

Comentários

dvaz disse…
Triste sina a da Estrela... Enquanto que tu, eu e os outros podemos pegar na mochila e zarpar para outros lados a Serra fica ali a levar com os sacos de plásticos, o lixo das comezainas, os carros, as buzinas e o stress de quem não merece o que tem à disposição.

Será que a malta tem os políticos que merece?
sgs disse…
e eu apoio com tristeza este teu texto, eu que partilhei contigo alguns passeios e fiz outros com o Filipe (esse primeiro mestre) mas depois experimentei o estrangeiro e nunca mais quis outra coisa.
sgs disse…
e eu apoio com tristeza este teu texto, eu que partilhei contigo alguns passeios e fiz outros com o Filipe (esse primeiro mestre) mas depois experimentei o estrangeiro e nunca mais quis outra coisa.
ana ventura disse…
Que pena este nosso cantinho não ser mais cuidado. Saudades dos nossos passeios por cá.
Zé Maria disse…
Aplaudo.
Só não é verdade que a Pé Ante Pé tivesse sido a primeira. Primeiro tinhas os Aprestos Navais, a Socidel e a casa Sena (eu sou desse tempo), mas mais tarde, a primeira loja realmente de equipamento de escalada e montanha (em Lisboa) foi a Submate. Honra lhe seja feita.
Um abraço.
ZM
CAP CRÉUS disse…
Concordo com tudo o que escreves.
Também tenho algum conhecimento de causa!
Foram já muitos Neve estrela, pelo CAAL e passados tantos anos desde o último, quando volto ao covão ou por ali pela zona, vejo que nada está na mesma. Apenas pior!
Abraço

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