Avalaaan…aaalho!!!!

Como já vem sendo hábito o Carnaval é passado na montanha, nomeadamente na Sierra de Gredos.

E assim foi. Desta vez o trio fundãolx não pode estar em peso pois o David tinha um plano de treino específico para a maratona de Barcelona.

À última da hora juntou-se a nós o Pedro de Sintra, um quase veterano de guerra nestas andanças, especialista em análise meteorológica pelas fases da Lua (ou não fora ele habitante da Serra da Lua).

Saímos de Lisboa já a noite se fazia escura e à chegada ao Fundão, pelas 0:30, fomos visitados pela PSP numa operação stop. Sem nada a assinalar dirigimo-nos à Pensão Moreira onde uma divinal sopa de feijão me reconfortou e deu energias para uma noite que se avizinhava curta.

As previsões não eram as melhores e como já vem sendo costume anunciava-se tempestade para domingo, aguaceiros para 2ª feira e bom tempo na 3ª no dia em que vínhamos embora (tem sido sempre assim).

A saída do fundão tem como passagem a pastelaria Flor do Fundão onde, apesar do ar carrancudo do empregado, a qualidade e a frescura dos produtos nos dão o kick necessário para 3 horas de viagem.

A chegada à plataforma de Gredos deu-se pelas 11 horas e com os habituais atrasos nos preparativos acabámos por chegar ao refúgio às 3 da tarde.

O tempo já anunciava mudanças e por isso, como se previa um domingo negro eu e o Jorge aproveitámos para fazer um aquecimento subindo um corredor. Estreámo-nos no “canal de las Hoyuelas”. O Pedro, que como se tinha juntado a nós em cima da hora não conseguiu alojamento no refúgio e teve que carregar com tenda ficou a preparar o seu poiso em frente do refúgio.

A neve estava nas condições ideais. As pontas dos “crampons” entravam o suficiente para nos dar segurança sem nos atascarmos. Em menos de uma hora e em ritmo de passeio de família domingueiro chegámos à “portilla de las hoyuelas”.

Descemos em 20 min pelo canal de la Campana com a sensação de dever cumprido.

O gosto por estas coisas não se explica nem se ensina. Sente-se. E nós já vínhamos de sorriso atrás da orelha. Com a excitação típica dos míudos

Já em pleno refúgio com o estômago reconfortado por uma sopa de lentilhas e um prato de carne de vaca estufada com batatas a neve fez-se anunciar. Durante a noite as condições pioraram e a neve e o nevoeiro envolveram o Circo de Gredos.

Na manhã de domingo todos os habitantes do refúgio, que eram mais que muitos, entravam e saíam na vã esperança de ver uma aberta no céu. As nuvens cobriam os cumes em redor do circo de Gredos, nevava ligeiramente e o vento mal se sentia.

Sem nenhum objectivo concreto resolvemos dar um passeio, como muitos outros grupos o fizeram, para desentorpecer as pernas e para enganar o tédio de ficar o dia todo sentado na sala de convívio.

Dirigimo-nos à encosta do “cuchillar de las navajas”. Havia alguma neve acumulada nas zonas baixas que nos fazia afundar os pés.

Iniciámos a subida da encosta e já levávamos perto de uma hora de marcha quando contornámos uma zona rochosa com cerca de 4 m de altura.

Passámos para o patamar acima numa rampa onde a neve atingia os 50 cm. Iniciámos a travessia desta zona em diagonal quando, com neve a chegar ao joelho, eu, que ia à frente, parei e falei para trás que achava que a camada de neve estava demasiado espessa e solta.

Termino estas palavras e sinto o chão a desfazer-se debaixo de mim:

- Avalaaaan……….aaaaaaaaalhoooooooo!!!!!!!!!!

O meu corpo foi sugado iniciando uma descida vertiginosa a uma velocidade incrível. Completamente envolto em neve, sem ver nada, tento a todo o custo manter a cabeça erguida de modo a conseguir respirar.

A descida fez-se em 3 momentos de velocidade diferentes. O primeiro troço muito rápido, depois desacelerou e foi nesta fase que me senti afundar e a seguir, como se alguém me puxasse para baixo um último momento rápido, desta vez mais controlado acabando em posição de auto-detenção, quando a velocidade abrandou.

Levanto-me com a cabeça às voltas como se tivesse sido apanhado numa onda gigante e vejo que o jorge está à minha direita à distância de um braço, são e salvo.

Falta o Pedro, pensei de imediato. Os micro-segundos que levei a localizar o Pedro pareceram uma eternidade.

Vejo-o a uns 20 m de nós ligeiramente mais acima, virado para a encosta a chamar por nós. Nunca imaginou que estivéssemos abaixo dele.

Escapámos de uma experiência a que poucos tiveram acesso, sem um único arranhão. Vem nos livros e existem técnicas de actuação nestas ocasiões. Não passam de teoria.

A sorte e o instinto são as melhores técnicas de sobrevivência.

Analisámos o percurso. Tínhamos descido em 2 segundos o que nos levou cerca de 20min a subir. A zona de rocha que tínhamos contornado estava em linha recta no nosso percurso de descida.

O nosso peso foi suficiente para desenhar uma linha de corte, tipo picotado, na neve mole que se tinha acumulado sobre a neve gelada dos dias frios e secos da semana anterior.

Perdemos muitos minutos a dissecar o assunto. Analisámos e reanalisámos a queda dividindo-a em “frames” como se de um filme se tratasse. Escapámos com sorte e aprendemos muito. Mais em 2 segundos do que em 10 anos de montanhismo.

São estas lições de humildade que servem de aviso à navegação e que nos fazem crer que sabemos sempre menos do que julgamos e que julgamos sempre mais do que sabemos.

Só acontece a quem lá vai…

(continua, em breve)

Comentários

miguel taborda disse…
só à porrada nesses cornos!!!

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